Há dois anos, o Facada Fest, festival paraense de rock, vem travando uma longa disputa na justiça pela preservação do direito a manifestação e contra os ataques do governo Bolsonaro à cultura. O festival virou alvo da polícia através de uma representação criminal ao Ministério Público Federal de São Paulo, apresentada pelo presidente do Instituto Conservador, Edson Salomão. A ação pedia a investigação dos organizadores do Facada Fest e apontava uma relação dos cartazes e postagens do evento com o atentado sofrido por Bolsonaro em setembro de 2018.

O MPF paulista encaminhou a representação para seus pares no Pará, que, por sua vez, levaram o assunto à Procuradoria-Geral da República para que esta consultasse o Ministério da Justiça. Como a vítima do suposto crime é o presidente da República, é a pasta que precisa solicitar a abertura do inquérito. Depois que Moro solicitou a abertura do inquérito, a Polícia Federal interrogou os organizadores do evento e iniciou uma investigação.

O despacho de Moro foi o apogeu de uma série de embates entre o coletivo paraense e a militância bolsonarista. Em junho de 2019, Carlos Bolsonaro protestou contra a imagem em sua conta no Twitter. “Tá valendo tudo nesse país da putaria da esquerda. Está na hora de agir antes que seja tarde, porque eles já mostraram ao que vieram e não têm mais vergonha alguma de esconder isso”, escreveu ele.

Carlos fez a publicação depois que Éder Mauro, do PSD, deputado federal e ex-delegado de polícia do Pará, compartilhou os cartazes na rede social. A edição de 2019 do festival não aconteceu. Diante da repercussão do tuíte de Carlos, os organizadores temeram que o encontro pudesse gerar confusão com apoiadores do presidente, já que, como de costume, aconteceria em lugar público. Remarcado para um bar fechado, a terceira edição do Facada Fest não aconteceu de novo. “Meia hora antes de começar, chegou a polícia. Foram conversar com os donos do estabelecimento e constataram que um dos alvarás estava vencido”, disse à Folha de S.Paulo a baterista Josy Lobato. O novo cancelamento abrupto levou a uma comoção tanto entre parlamentares e movimentos sociais da cidade que passaram a apoiar o Facada. A terceira edição do evento, enfim, foi realizada dois meses depois da data original.

O processo tem como objeto dois cartazes usados para divulgação do festival. Num deles, divulgado para a edição de 2019, Bolsonaro é representado pelo palhaço Bozo, que é empalado por um lápis. Em outro, o presidente, que ganhou o bigode de Hitler, aparece vomitando fezes sobre uma floresta. Veste uma cueca com a bandeira americana e tem uma arma na mão. A denúncia foi entregue à Justiça em 15 de setembro de 2020 e a defesa dos artistas entrou com um habeas corpus pedindo que a investigação fosse paralisada e que o processo não fosse aceito pela Justiça.

A notícia da entrada do habeas corpus foi publicada pelo UOL e o processo corre na 4ª Vara Federal Criminal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o TRF1. Após uma investigação da Polícia Federal, de acordo com a denúncia do MPF, os cartazes tinham mais do que críticas a Bolsonaro. “Houve, sim, manifesto abuso por parte dos denunciados, o que afetou diretamente a honra do presidente da República e propiciou a exaltação de um ato criminoso”, diz o documento. Este entendimento negou o primeiro habeas corpus e agora os organizadores e o ilustrador Paulo Victor Magno seguem na mira da justiça. Na página do Facebook, o grupo informou sobre a entrada de um novo habeas corpus.

 

Para a ABRAFIN, a denúncia se caracteriza como  uma grave violação à liberdade de expressão e ao direito de manifestação crítica e artística, além de ser uma ação de perseguição política a um movimento coletivo representante da contracultura do rock paraense.  Vale reforçar que o Facada Fest ocorre na capital paraense desde 2017 e que o nome é anterior ao atentado sofrido pelo presidente. Enquanto alcançamos 449.068 óbitos, Bolsonaro segue com uma narrativa de perseguição aos movimentos culturais e sociais. Atrasa a liberação dos recursos da Lei Aldir Blanc com seus vetos e aposta no tensionamento de ideias para renegar sua atuação desastrosa diante da pandemia.

*Imagens do Jornalistas Livres